Este parecer tem como objetivo analisar os efeitos da Portaria MTE nº 3.665/2023 no contexto do trabalho aos domingos e feriados no setor do comércio, considerando também a legislação vigente, em especial a Lei nº 10.101/2000, bem como dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e entendimentos jurisprudenciais recentes.
A questão se torna ainda mais relevante diante do início de sua vigência em 1º de julho de 2025, conforme estabelecido pela Portaria MTE nº 2.088/2024, e pelas divergências interpretativas sobre a prevalência de normas coletivas e dispositivos legais específicos.
Segmento econômico envolvido
A Portaria MTE nº 3.665/2023 se aplica diretamente ao setor do comércio em geral, abrangendo estabelecimentos varejistas e atacadistas, com especial foco na autorização para funcionamento e trabalho de empregados em feriados, impactando indiretamente também a gestão de escalas de trabalho aos domingos.
Fundamentação legal e normativa
- Lei nº 10.101/2000 (Art. 6-A)
Autoriza expressamente o trabalho em feriados nas atividades do comércio, desde que haja autorização em convenção coletiva de trabalho e observância à legislação municipal.
Importante destacar que a lei não exige acordo coletivo, mas sim convenção coletiva, o que gerou debates sobre a possibilidade de substituição por acordo individual ou ACT – ponto que se resolveria com segurança jurídica por meio da negociação coletiva. - CLT e Normas Coletivas
A CLT, em seus artigos 611-A, 611-B e 620, reconhece a primazia da norma coletiva, inclusive autorizando que acordos coletivos prevaleçam sobre convenções coletivas, e ambas sobre a legislação, desde que não impliquem renúncia a direitos essenciais (ex: repouso semanal). - Portaria MTE nº 3.665/2023
Revoga dispositivos da Portaria nº 671/2021 que autorizavam, de forma ampla, o trabalho em feriados em determinados segmentos do comércio. A nova redação restringe tal autorização e reforça que somente será permitido o trabalho em feriados com respaldo na convenção coletiva e conforme legislação municipal.
Escala de domingos e o Art. 386 da CLT
A discussão sobre a obrigatoriedade da folga quinzenal aos domingos para mulheres, prevista no art. 386 da CLT, ganhou novo fôlego após o julgamento do STF no RE 1.403.904/SC, que reconheceu a constitucionalidade da norma e sua não revogação pela Lei 10.101/2000.
Contudo, entendimentos jurisprudenciais indicam que a aplicação desse dispositivo pode ser mitigada quando houver normas coletivas válidas, com escalas que garantam o repouso semanal em outros dias, desde que em consonância com os limites legais e constitucionais.
Registramos a existência de duas correntes jurisprudenciais:
Uma que mantém a exigência de folga quinzenal aos domingos para mulheres, mesmo no comércio:
FOLGAS QUINZENAIS AOS DOMINGOS PARA AS MULHERES – ART. 386 DA CLT – RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O art. 386 da CLT, inserido no capítulo que trata das normas de proteção ao trabalho da mulher, prevê que “havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical”. O STF, no julgamento do RE 1.403.904/SC, que transitou em julgado em 03/02/2024, negou provimento ao Recurso Extraordinário e manteve a decisão do TST que definira ser constitucional a regra prevista no art. 386 da CLT, não excepcionada pela Lei nº 10.101/2000. No mais, não tendo a reclamada juntado aos autos nenhum controle de jornada, ônus que lhe cabia, nos termos do art. 818 , II, da CLT, correta a sentença que deferiu o pagamento em dobro dos domingos trabalhados. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TRT-21ª R. – RO 0000602-36.2023.5.21.0014 – Rel. Bento Herculano Duarte Neto – DJe 10.06.2024 – p. 1202)
ART. 386 DA CLT – GARANTIA DE DESCANSO DOMINICAL QUINZENAL À TRABALHADORA DO COMÉRCIO – O art. 6º da Lei 10.101-2000 autoriza o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, ao passo que o art. 386 da CLT, inserido no capítulo da Legislação Consolidada que trata da proteção do trabalho da mulher, estabelece regramento específico. Prevalece, assim, o direito da mulher de que, no caso da ocorrência de trabalho aos domingos – Em razão de exigências técnicas da empresa, por exemplo – , seja organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical. Aplicação do princípio hermenêutico segundo o qual a existência de norma especial para regular determinada situação jurídica afasta a aplicação da norma geral a esta mesma situação. Precedentes da SBDI-1 do C. TST. (TRT-12ª R. – RO 0000142-06.2024.5.12.0001 – Rel. Des. Roberto Luiz Guglielmetto – DJ 04.09.2024)
Outra que mitiga essa obrigação, com base na autonomia negocial e prevalência da Lei 10.101/2000 e normas coletivas.
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA – LABOR AOS DOMINGOS – ARTIGO 386 DA CLT – 1- O descanso semanal remunerado (RSR) é concedido preferencialmente aos domingos, e não obrigatoriamente. Inteligência dos artigos 7 º, inciso XV, da Constituição Federal, e 1º da Lei 605/49 . 2- O artigo 386 da CLT não impõe que ocorram duas folgas em domingos a cada mês, mas apenas que será organizada uma escala de revezamento quinzenal “que favoreça”, o que com obrigatoriedade não se confunde. 3- Assim, havendo compensação dos domingos trabalhados com folga em outro dia semana, não há falar em pagamento destes em dobro. Inteligência da Súmula 146 do TST. (TRT-17ª R. – RO 0000361-40.2022.5.17.0004 – 2ª T. – Relª Claudia Cardoso de Souza – DJ 08.11.2023)
DESCANSO SEMANAL REMUNERADO – ATIVIDADE ECONÔMICA NO SETOR DO COMÉRCIO – ESCALA QUINZENAL – ART. 386 DA CLT – RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL – APLICABILIDADE MITIGADA – INTERPRETAÇÃO CONSONANTE COM AS NORMAS ESPECÍFICAS DA LEI Nº 10.101/2000 E DA JORNADA DE TRABALHO – A recepção constitucional do art. 386 da CLT, que estabelece escala quinzenal para a fruição do repouso semanal remunerado às mulheres em domingos, não se constitui motivo suficiente para admitir sua aplicabilidade às trabalhadoras em atividade no setor do comércio, submetido a tratamento normativo especial, por força das disposições legais específicas e supervenientes à CLT, mormente as da Lei nº 10.101/2000 e suas alterações, as quais propugnam ajustes em matéria de jornada no campo da autonomia da vontade privada coletiva, ampliado pela Constituição , por força da expressa autorização de maior flexibilidade das questões de duração do trabalho. Tratando-se de controvérsia advinda de labor em atividade do comércio, em que a abertura do estabelecimento da parte ré aos domingos pressupõe ajuste de compensação da jornada fixado pela via negocial, prevalecem os efeitos do disposto no art. 6º da Lei nº 10.101/2000 , de que o repouso semanal, preferencialmente aos domingos, deve ser concedido uma vez, ao menos, no período máximo de três semanas, o qual também se revela amoldado ao princípio da igualdade e ao resguardo das condições especiais de proteção ao trabalho da mulher. Assim, porque impõe exegese consonante com o conjunto de normas específicas da aludida atividade, prevalece tal regramento, sendo mitigada a aplicabilidade do preceptivo celetista, sobretudo quando verificada a adoção de sistema de folga dominical mais benéfica do que a estabelecida na lei específica. (TRT-12ª R. – RO-RSum 0000621-59.2022.5.12.0036 – Relª Ligia Maria Teixeira Gouvea – DJ 10.05.2023)
Necessidade de convenção ou acordo coletivo
Apesar da Lei 10.101/2000 mencionar apenas a convenção coletiva, é entendimento prevalente entre juristas e tribunais que acordos coletivos de trabalho (ACTs) também são válidos para regulamentar a jornada aos domingos e feriados, com base nos arts. 611, §1º, 611-A, 611-B e 620 da CLT e no art. 7º, XXVI da Constituição Federal.
Assim, para maior segurança jurídica, é recomendável que qualquer autorização para trabalho aos domingos e feriados seja objeto de negociação coletiva formalizada, por CCT ou ACT, especialmente diante das controvérsias atuais e da fiscalização trabalhista.
Considerações finais
1. A Portaria MTE nº 3.665/2023, ao revogar a autorização genérica para o trabalho em feriados no comércio, reforça a exigência de autorização expressa por convenção coletiva e a observância à legislação municipal, alinhando-se à Lei nº 10.101/2000.
2. O trabalho aos domingos permanece permitido no comércio, desde que respeitado o repouso semanal remunerado, sendo preferencialmente aos domingos, e garantido ao menos um domingo de folga em cada período de três semanas, conforme jurisprudência consolidada.
3. Quanto ao descanso quinzenal aos domingos para as mulheres, o entendimento mais recente do STF revalida a aplicação do art. 386 da CLT. Contudo, normas coletivas podem mitigar sua aplicação, desde que mais benéficas ou equivalentes.
4. Acordos ou convenções coletivas são indispensáveis para formalizar a autorização do trabalho aos feriados e aos domingos, como forma de preservar a segurança jurídica, evitar passivos trabalhistas e adequar-se às exigências da Portaria 3.665/2023.
5. Diante da prorrogação da vigência da portaria para 1º de julho de 2025, recomenda-se que as empresas e entidades sindicais do comércio antecipem a revisão e atualização das suas convenções ou acordos coletivos, garantindo respaldo legal para suas operações e escalas de trabalho.
Conclusão
Diante dessa mudança, o setor do comércio deve se organizar por meio de suas entidades representativas, para negociar CCTs ou ACTs que contemplem expressamente o trabalho aos domingos e feriados, respeitando a legislação local e os direitos constitucionais dos trabalhadores.